Clube argentino rival do Palmeiras promove retorno ao Gasômetro, onde restam somente ruínas. Torcedores compram cada metro quadrado, promessa de resgate da história.
O estádio do San Lorenzo, conhecido como El Gasómetro, vivenciou uma trajetória marcante em sua história. Localizado em 27 mil metros quadrados de terreno, o local foi palco de importantes eventos e manifestações. Em 20 de junho de 1977, o estádio foi o cenário do primeiro ato público das Mães da Praça de Maio, que lutavam contra a violenta repressão da ditadura e questionavam o paradeiro das vítimas desaparecidas. A resistência contra a ditadura se fortaleceu, e o sonho de reconstruir o estádio como um símbolo de justiça e memória permanece vivo até os dias atuais.
O regime ditatorial argentino deixou marcas profundas na história do país, com inúmeras vítimas e famílias em busca da verdade e justiça. Movimentos revolucionários surgiram em meio à repressão, buscando resgatar a memória e reconstruir os pilares da sociedade. A Lei de Restituição Histórica e o sistema de doações são algumas das iniciativas que buscam manter viva a luta contra a ditadura argentina, utilizando a arte e a escrita como ferramentas de resistência e preservação da história.
Resistência contra a ditadura argentina
+ Siga o ge Palmeiras no WhatsApp Perdeu as estruturas para o regime militar mais sangrento da América do Sul e hoje, onde antes erguia-se imponente para 70 mil pessoas nas arquibancadas, restaram somente ruínas. E a promessa de resgate da história: comprar cada metro quadrado que um dia pertenceu ao clube. Em 2024, o sonho está vivo. – Aviso de obra. Domicilio: Av.
La Plata 1702 – diz a placa. É neste endereço que o San Lorenzo sonhava receber o Palmeiras, pela estreia da Libertadores de 2024. Mas jogou a quase 4km de distância, no estádio Pedro Bidegain, nesta quarta-feira.
Sonho de resgatar a história do clube
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+ Veja como foi San Lorenzo x Palmeiras Entre os 27 mil metros quadrados de terreno, estão somente o estacionamento e parte das paredes do supermercado demolido para a reconstrução do estádio.
Quase nenhum vestígio do que ali foi um dia, não fosse a placa de desconto para sócios do San Lorenzo e duas barras brancas, no centro do piso que abrigou gôndolas de alimentos e produtos de limpeza. – São do gol dos ginásios que ficam ali atrás, o Pando e o Alloni. Às vezes guardam aqui, mas ninguém joga aqui… ainda – conta Nestor, um dos seguranças do local.
Memórias preservadas no bairro de Boedo
Caminhar pelas ruas de Boedo, porém, bairro sede do clube em Buenos Aires, não tem o mesmo clima da época. Não há multidões sanlorencistas, arquibancadas vazadas para a avenida ou mesmo partidas da seleção argentina, que usou o estádio como casa por quase 30 anos – até a inauguração do Monumental de Núñez, do River Plate. Os muros ao redor do terreno, contudo, não deixam esquecer.
Reproduz em pinturas do Grupo Artístico de Boedo as arquibancadas, a torcida, a antiga entrada, para mantê-las vivas na memória. ‘Lutar e voltar’, diz uma delas, no cruzamento da Inclán com a José Mármol. Na calçada em frente, dentro do Boedo Antigo Café Bar, um dos garçons, de nome Victor, entende o significado.
Consequências da ditadura argentina
O Gasómetro nasceu em maio de 1916 como casa do San Lorenzo e centro cultural no bairro de Boedo, a 11 quarteirões da igreja onde surgiu o clube. Foi palco, seis décadas depois, do primeiro evento público da Associação de Mães da Praça de Maio, de mães que buscam ainda hoje os filhos desaparecidos na ditadura argentina.
O regime provocou uma violenta repressão, com a morte e desaparecimento de milhares de pessoas, e nunca se soube o número certo de vítimas. Para os militares, porém, conta o clube que o estádio virou centro de movimentos revolucionários. E uma das missões do Brigadeiro Osvaldo Cacciatore, na prefeitura de Buenos Aires entre 1976 e 1982, era acabar com o local.
O renascimento do terreno do clube
Criou-se diferentes planos, desde a construção de uma casa única para San Lorenzo, Huracán e Vélez Sarsfield, até um plano de abertura de ruas para a construção de imóveis na cidade. Em 1979, o Gasómetro se despediu. Pressionado pelos militares e em grave crise, o San Lorenzo vendeu o terreno por 900 mil dólares e deixou Boedo.
As ruas não foram abertas, os imóveis não foram construídos e o terreno, pouco depois, terminou comprado por uma rede francesa de supermercados por US$ 8 milhões. O El Gasómetro, demolido em 1984, se transformaria na primeira unidade do Carrefour na Argentina. Na Avenida La Plata 1702, há poucos vestígios do supermercado.
Esforços para a recuperação do terreno
Entre anos de protestos e mais de 40 mil torcedores indo às ruas, o San Lorenzo abraçou o movimento para recuperar o terreno e construir um novo estádio. Este que será batizado de Papa Francisco, em homenagem ao ilustre torcedor. – Vamos a volver Al barrio que a San lorenzo lo vio nacer (Vamos voltar ao bairro onde nasceu o San Lorenzo) – canta a torcida nas arquibancadas.
Na linha do tempo das conquistas, em 2012, aprovou-se a Lei de Restituição Histórica, declarando o terreno como passível de desapropriação. Em 2014, San Lorenzo e Carrefour anunciaram um acordo para compra do terreno pelo clube de volta. E foram os torcedores, em um sistema de doações com a compra simbólica de metros quadrados, que ajudaram no pagamento da volta para casa.
Projeções para o futuro do clube
Eram 450 dólares por espaço. Em 28 de junho de 2019, por fim, foi assinada a escritura que devolveu ao clube os mais de 27 mil metros quadrados que haviam perdido.
Agora, o clube trabalha com o plano de construção de um estádio multiuso para 55 mil pessoas, com abertura para shows e outros eventos, mas aguarda a recuperação de outros oito mil m² que ainda pertencem ao Carrefour para iniciar as obras. Houve um acordo entre o Governo da Cidade de Buenos Aires e o clube, restando as resoluções burocráticas.
– Esperamos recuperar em dois ou três meses e estamos conversando com a IDOM, empresa de arquitetura, para contratar uma empresa construtora e chamar a licitação – explica o presidente do clube, Marcelo Moretti. Enquanto isso, as ruas se encarregam de manter o sonho vivo. De fazer barulho entre o silêncio das ruínas.
De usar a arte e a escrita, nos muros que cercam a antiga e futura casa, para gritar pelo que acreditam. ‘A história não se apaga, nem se vende. Se sente.’ + Veja mais notícias do Palmeiras 🎧 Ouça o podcast ge Palmeiras🎧 + Assista a tudo do Palmeiras na Globo, sportv e ge
Fonte: © GE – Globo Esportes
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